top of page

O outro sou eu? Diz-me com quem andas que te direi quem és…

Vanisa Moret Santos*

Que verdades sobre nossas escolhas inconscientes esses ditos comportam?

Não somente é preciso nos havermos com o fato de que as pessoas com quem escolhemos conviver é uma escolha de nossa responsabilidade como é preciso reconhecer que só escolhemos tais atores porque eles se engancham em nossas idealizações e cristalizações sintomáticas.

Escolhemos a dedo os atores que melhor consigam representar as cenas que compõem nossas fantasias inconscientes alinhadas a nossos sintomas. Aliás, é justamente por conta da satisfação das pulsões destrutivas que fazem parte desse complexo fantasmático, que é esperado que tais atores performatizem cenas em que o sujeito se sinta humilhado, culpabilizado e que o façam sofrer. Eventualmente, as ações se invertem e o humilhado passa a ser o algoz e assim seguem os intérpretes das cenas, num troca-troca de papéis.

Durante o processo de cura ativa pela reescrita do texto que vai se modificando ao longo de uma análise, conseguimos revisitar e até refazer nossas escolhas, atribuindo aos atores novas funções e papéis.

É importante sabermos que o Outro é nosso próprio inconsciente e que ele opera em nós como um diretor de cena. Sabendo disso, podemos reconhecer melhor os mecanismos que compõem nossas escolhas inconscientes para podermos mudar o rumo dessa história escrita em nós e por nós. Com a revisão dessa escrita em curso, será preciso mudar os personagens, ou designar-lhes novos papéis.

Parece cruel, mas é preciso nos havermos com o sofrimento de que nos queixamos cuja responsabilidade atribuímos aos outros, ou melhor, aos personagens que nós mesmos criamos. Reconhecer isso, talvez nos liberte para enxergarmos que nossos algozes somos nós mesmos. E isso acontece todas as vezes em que algo de nossas verdades particulares escapa. Se resolvemos retirar um personagem da história, ou designar-lhe um novo papel, é porque algo em nossa economia libidinal mudou e aquele personagem ou aquela cena já não faz mais sentido, mas nada garante que tal mudança acontecerá para o “bem” de todos.

Livrar-nos do peso de não sermos nós mesmos pode nos tornar mais solitários e silenciosos, porém mais leves, mais bem acompanhados, melhores leitores e até escritores mais precisos. Saber escolher com quem queremos contracenar o poema que nos tornarmos é um exercício ético diário.

*Psicanalista membro FCL Rio de Janeiro

Vanisa Moret Santos e poeta, escritora, psicanalista membro do Fórum de Psicanálise da Escola do Campo Lacaniano do Rio de Janeiro, professora do Curso de Especialização em Psicologia Clínica da PUC-RJ, mulher, mãe, dona de casa, autora do livro, Mães faltosas crônicas e outras histórias, lançado pela Editora Atos & Divãs em 2021, colunista do Jornal Tribuna de Petrópolis online, membro da Academia Brasileira de Poesia

stylete lacaniano, ano 9, número 26,

bottom of page